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Cimática

Ao reler Freud, a partir da lingüística, Lacan levanta a tese de que “O inconsciente é estruturado como uma linguagem”, nomeando o que é evidente em todos os exemplos de Freud ao descobrir as leis do inconsciente, ou seja, que no Inconsciente há uma primazia do significante em relação aos significado de cada palavra. O inconsciente trata as palavras como música, pelo seu
encadeamento sonoro. É no Curso de linguística geral de Ferdinand de Saussure que Lacan encontra seu argumento mas transformando-o a partir daquilo que o Inconsciente ensina.


Saussure toma uma palavra qualquer designando-a por signo lingüístico e propõe como exemplo uma palavra simples: “árvore”. Essa palavra é compostapor sua imagem “acústica”, que é seu som, que ele designa com o terno arborem latim, e por aquilo que ela significa, se u conceito, que Saussure designa com um desenho. Constitui assim o signo linguístico (a palavra) como uma
fração em que o denominador é o significado (o conceito) e o numerador é o significante (sem som).
 
Quando se diz arbor, temos o que ela significa e seu som. No signo linguístico o que a palavra indica é a coisa que ela representa. Quando se diz “árvore”, todo mundo já tem a representação de alguma árvore. Toda palavra, portanto, que ele chama de signo lingüístico, tem seu som, que ele chama de imagem acústica (não tem nada a ver com imagem, é o simples som), e o conceito de árvore, ou seja, o significado daquele som que é a coisa que o som designa. A imagem acústica, esse som extraído de seu significado, para aquém ou para além do conceito que a representa, o puro som, é o significante. Lacan vai inverter essa relação, colocando o significante em cima e o significado embaixo. Por quê? Porque o inconsciente se interessa muito mais pelo significante do que pelo significado. Ele é constituído por cadeias de significantes, que são os encadeamentos sonoros das palavras – ou seja um fraseado de sons que faz com que possamos afirmar que o inconsciente é musical.

Que a fala tenha uma função de comunicação, todos notamos isso; o que não notamos é que ela tem também uma função de mal-entendido. Ao saírem de uma conferência minha dizem: "O Quinet disse aquilo” e outros contestam. “Não, o Quinet disse aquilo outro”. Se, por um lado, partilhamos de significados comuns a certos significantes, por outro lado, o fato de falarmos a mesma língua não impede o mal-entendido próprio à linguagem que nos indica que não estamos tão distanciados da torre de Babel.

No dicionário os significantes têm não apenas um e sim uma série de significados. O inconsciente nos mostra que o que interessa ao sujeito, por exemplo, não é uma cadeira como conceito quando ele se refere à palavra cadeira numa análise. Não é o nível da semântica que o interessa, ou seja, a definição dicionaresca de uma cadeira com sua função mobiliária, seu determinado material, se tem quatro ou mais pernas, se seu estilo é esse ou aquele. O que interessa é ao que “cadeira” – como sonoridade - remete ao sujeito, podendo remeter, por exemplo, à lembrança de uma cadeira da vida libidinal do sujeito em sua infância. A cena de infância foi fixada a determinados significantes, ou seja, cada cena tem seu memorial presente como música, ou seja, o encadeamento de determinadas notas que se referem a determinadas palavras. Na análise trata-se da articulação da cadeira não com seu significado e sim da articulação do significante cadeira com outra imagem acústica. Freud percebe que os sonhos, os sintomas, os lapsos, são todos da ordem do chiste, como trocadilhos, porque eles funcionam na base do jogo de significantes em que a proximidade sonora de certas palavras ou sílabas produzem a equivocação de sentido. Toda análise é uma experiência de significação, ou seja, de dar novos significados a significantes, a acontecimentos, a coisas que ocorreram na vida do sujeito. Às vezes o sujeito verifica que determinadas coisas não tem significação e, por outro lado a importância de certos significantes norteadores de sua existência. A gente pode passar a vida encalhado numa palavra, dizia Clarice Lispector.


O primeiro ponto é, portanto, a prevalência do significante em relação ao significado. Na verdade, o significado é outro significante, não existe o significado fixo de nenhum significante, pois o significado pode remeter a outros. Se eu digo que “cadeira” é um “móvel”, estou usando um som que remetem a outros significantes, e assim por diante. O inconsciente é constituído dessa forma: pelo desfilamento dos significantes, que deslizam sem cessar não se detendo em significados comuns, mas a determinados significantes que têm um significado muito especial para o sujeito.


O que Freud designa por cadeia associativa, Lacan chama de cadeia de significantes, um significante articulado a outro, a outro, a outro. Eis o que se verifica na trilogia do significante em Freud. Como se dá esta articulação de sentido na psicanálise? Vemos com Saussure, que os significantes são articulados entre si e com seus significados correspondentes.

Ao encadearmos uma frase, as palavras vão apresentando seus significantes, os sons, e seus significados, os conceitos que representam. A experiência do inconsciente nos revela que não é bem essa articulação que é dada, mas uma articulação em que nós temos uma cadeia de significantes e que só no final de uma frase é que nós vamos ter o sentido do primeiro significante. Tomemos o exemplo de um tipo de alucinação de Daniel Schreber, cujo caso foi estudado
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por Freud: "eu agora vou me...". O que significa esta frase? Só poderemos conhecer seu sentido se pudermos ir até o final da frase que, no caso, ele mesmo completava "... convencer de que sou louco".iv Então o significante louco, que é o último termo da frase é o que dá o sentido do que estava acontecendo com ele. A constituição do sentido, que a psicanálise nos desvela, se dá a posteriori, do final para diante. Trata-se do conceito de Nachträglich de Freud, - o “a posteriori”. A análise é também assim, mas não só. Isso é uma experiência da vida em geral. Um acontecimento importante na vida de alguém pode ter hoje para ele um significado diferente do que tinha ontem. E quem sabe se amanhã já não será ainda outro diferente? A sessão de análise é também ressignificada a partir do corte da sessão, que implica numa experiência de pontuação. Lacan representa a estrutura da significação, mostrando que o vetor do significado corta o do significante produzindo o sentido a posteriori.

Da mesma forma, as primeiras notas de uma música só adquirem sentido numa seqüência de trás para a frente.

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